2012.
O que você estava fazendo na sua vida? Como será que a publicidade LGBT se encontrava, no Brasil?
Eu, estava no meio da faculdade de jornalismo, escrevendo para a Revista da Cultura (Livraria da Cultura) e fazendo estágio em uma startup de pedir comida online (depois ela foi comprada pela iFood, que, claro, me fez ser demitida).
No Brasil, sequer estávamos falando em direitos LGBTs – não para todos, todas e todes. Publicidade LGBT então, vish… Era praticamente inexistente – tirando uma ação aqui e acolá de uma marca que até era chamada de “ousada” por produzir tais peças publicitárias.
Na verdade, em 2011, no dia 05 de maio de 2011, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) julgarem a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132 em que reconhecem a união estável entre casais LGBTs+, a partir de ações apresentadas pela Procuradoria-Geral da República e pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral.
Ou seja, em 2011, o Rio de Janeiro deu os primeiros passos para “aceitar” um direito que seria reconhecido, nacionalmente, só em 2013, quando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a Resolução 175 que garante aos casais LGBT+ o direito de se casarem no civil.
Dessa forma, tabeliães e juízes ficaram proibidos de não registrarem a união.
Portanto, entre 2011 a 2013, muita coisa aconteceu em relação ao universo LGBT+ e isso impactou diretamente na “saída do armário” de várias marcas / programas de diversidade das empresas.
O Fake do Engajamento da Publicidade LGBT
Nesse cenário, podemos destacar várias ações de marcas / empresas que, ao meu ver, foram pioneiras. E outras nem tanto – na verdade, até hoje vivem nas suas bolhas da (falsa) diversidade.
Uma que, em breve, quero trazer para uma análise bem complexa é o posicionamento LGBT+ que, ao meu ver, foi uma sequência de ações inovadoras e ousadas da vodka Absolut.
Algumas que quero destacar foi desde estampar uma página de uma revista gay, nos anos 70, até, recentemente, ter patrocinado o programa de televisão norte-americano RuPaul’s Drag Race – inclusive, tem um post no Reddit.
Mas, hoje, quero me focar em um post, simples post de Facebook, de uma marca que para mim não só soube se posicionar como também teve coragem de manter tal atitude em uma época não muito, digamos, favorável para que os conteúdos LGBT+ de marcas fossem “aceitos” na web.
Deixe-me explicar melhor essa minha ideia – e, claro, apontar o dedo na ferida de algumas marcas que “pregam a diversidade”, mas, na verdade, né…
Hoje, em 2018, quando escrevo esse texto, há ainda marcas, como por exemplo, a Rede Globo que, ao meu ver, passam um posicionamento de diversidade e a favor da causa LGBT+, mas é só dar um leve rebuliço em algum conteúdo seu, na Internet, que ela tenta aliviar e até tampar tais “polêmicas” – seja deletando conteúdo ou com posicionamentos clichês e que não nos favorecem.
Para complementar esse debate, nesse texto, escrito pela Gyssele Mendes, jornalista, mestra em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense e militante LGBT, publicado na Carta Capital, em 2017, sobre a marca televisa e o seu posicionamento referente a comunidade LGBT+:
Posso também dar mil e um exemplos para demonstrar esse posicionamento retrógrado e falso da emissora.
Nesse texto, focarei em falar sobre como os beijos LGBT+ foram sutis, leves e fakes nas novelas para não levantarem debates ou ainda como há erros nos vocabulários LGBT+ dos seus produtos, mesmo contratando consultores que são militantes LGBT+.
Para mim é muito 8 ou 80, ou seja, ou você entra de vez e faz um conteúdo corretamente, até porque é por intermédio das suas produções que você está educando as pessoas sobre o universo LGBT+ ou, ao meu ver, não faz.
É muito fácil para uma marca gigante ficar em cima do muro e fazer algo mais ou menos para a comunidade LGBT+ dizer:
- Ah, mas pelo menos, estamos nas novelas sendo representados / representadas.
Pois bem, enquanto a comunidade LGBT+ estiver aceitando esse “pelo menos…” é muito fácil para a marca manter esse “pelo menos”, né.
No final, agrada (quase) todo mundo sem realmente tocar em um assunto que merece debate e consciência nos lares das pessoas.
Enquanto, eu, você, LGBTs não cobrarmos das marcas, como a Rede Globo, mais concretitude e comprometimento quando uma novela fala do universo LGBT+, para ela [a marca] está bom nos ofertar esse ‘pelo menos’, né…
E tem mais, se ela pode, tem dinheiro, talentos e informações, para falar o dicionário LGBT+ de forma correta porque ela prefere falar de forma errada?
- Ah, Maira…É um modo mais fácil de explicar, né!
Explicar de forma errada? Ou seja, então se você aprende que 2 + 2 é 5, mesmo sendo errado para você está bom porque você, pelo menos, aprendeu algo?
Está vendo como estamos aceitando esse “pelo menos” da marca? E com isso impacta negativamente em toda uma desconstrução do preconceito e construção da igualdade e diversidade?
Não é bemmmmmm assim, né!
Portanto esse é um dos pontos que devemos não só analisar nos conteúdos de marcas como também cobrá-las: aprender a usar o vocabulário LGBT+ de forma correta até porque não dói, né…
E, claro, isso vai impactar diretamente no seu engajamento e comprometimento com a nossa causa.
Ousadia, Comprometimento, Arco-Íris e… Negócios
Como já disse algumas vezes, nesse blog, um posicionamento pró-LGBT+ não quer dizer que é um posicionamento a favor da caridade, do assistencialismo.
Antes de tudo, você tem que pensar no negócio do seu cliente. E é por isso que o posicionamento que trago, agora, da Oreon é genial.
Antes de começar, a Oreo é uma das marcas – até aquele momento, não sei hoje – “queridinhas” no Facebook devido os seus posts criativos.
No dia 25 de julho, de 2012, por volta das 20h, a marca postou a seguinte mensagem: um produto seu em que o seu recheio eram seis camadas coloridas, ou seja, representando um arco-íris – criação da agência 360i.
Lembrando que, três dias posteriores a data, no dia 28 de julho é Dia Mundial do Orgulho LGBT+.
E é claro que essa imagem se tornou um viral – recebendo mais 14.800 compartilhamentos e 87.000 curtidas – e recebendo mensagens de haters, nos seguintes termos:
- “Eu nunca mais vou comer Oreos. Isso é simplesmente repugnante ”.
- “Não gostei da página e do resto dos produtos da família ‘kraft’ … Não vou apoiar uma empresa com esses pontos de vista”.
Da mesma forma que atraiu diversos haters, a marca também recebeu mensagens de apoio da comunidade LGBT+. Eis alguns dos comentários:
- “Eu não achava que era possível amar a Oreo mais do que eu já amo!”.
- “Obrigado Oreo e Nabisco pelo seu orgulho.”
- “Você não apenas fez uma declaração incrível sobre amor e aceitação, mas esse biscoito parecia delicioso!”
Fora a mídia espontânea que ele gerou, como por exemplo, matérias no The Guardian, AdWeek, NY Daily News, Reuters e tantas outras.
Nesse vuco-vuco todo, surgiu até boicoite à página da marca, sendo que a Kraft Foods, empresa mãe da Oreo, enviou à imprensa norte-americana o seguinte comunicado:
“Como empresa, a Kraft Foods tem uma orgulhosa história de celebrar a diversidade e a inclusão. Acreditamos que o anúncio da Oreo é um reflexo divertido de nossos valores”, disse Basil Maglaris, diretor associado de assuntos corporativos da Kraft, para a Reuters, na época.
Por que o Post da Oreo é Tão Importante para a Publicidade LGBT?
Ao meu ver, esse post da Oreo é um dos mais importantes da publicidade LGBT+ mundial.
Para mim, foi a primeira vez que uma marca teve um posicionamento firme diante de um viral que recebeu muito hater assim como muito amor da comunidade LGBT+.
Trazendo para o exemplo acima: troque a Oreo pela Rede Globo? Será que a marca manteria tal post no ar?
Acredito que pelo histórico da emissora relacionado aos assuntos LGBT+, ainda mais em 2012, ela tiraria do ar sem pensar, né.
Depois, especialmente para mim, esse conteúdo me chamou a atenção para a questão da diversidade e inclusão, voltada para empresas.
Algo que se intensificou em 2013, quando fui à Parada LGBT+ de Nova York e me deparei com um conglomerado de marcas no evento, desde Facebook passando por Citibank até chegar na própria vodka Absolut que tinham carros específicos, na caminhada.
E, claro, foi em 2013, mesmo que entrei de cabeça no universo da diversidade e inclusão com a declaração homofóbica do presidente da Barilla.
O fato é que esse conteúdo da Oreo para nós, LGBT+ e que trabalhamos com diversidade e inclusão / publicidade, é sinal de que precisamos:
- Atentar para as tendências da sociedade e sabermos como tirar um bom proveito delas com muita integridade e comprometimento;
- Entender dos desejos e necessidades das minorias para produzirmos algo que elas se sintam partes, como uma comunidade – afinal é isso que estamos buscando o tempo todo, nos tornar parte de algo;
- Manter um posicionamento firme e real, baseado nos princípios da marca;
- Colocar um pouquinho de criativa e humor nas nossas produções.
Bem, espero que você tenha tirado muitos insights desse primeiro estudo de caso aqui, no meu blog. E gostaria de lhe deixar um convite especial e final:
Se você adorou esse meu texto, você precisa saber que ele é a pontinha do iceberg de análise e dicas que eu já produzi sobre publicidade LGBT e diversidade e inclusão.
Tenho um livro digital chamado “Comunicação Reversa” em que explico, passo a passo, os pilares de um bom conteúdo LGBT+ e que realmente conecta com o seu público-alvo, evitando assim deslizes na sua produção e, consequentemente, possíveis crises online quando ele for publicado.
E, claro, tudo isso para você, na verdade, aprender a desligar pré-conceitos inconscientes, que foram colocados, pela nossa sociedade, na nossa mente.